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Longform - Capítulo 2

A GEOGRAFIA DO CRIME

A "sedução" das facções criminosas e as ondas de vandalismo em 2018

por Cássio Lima

A estrutura carcerária de Uberlândia conta com duas unidades prisionais, a penitenciária Pimenta da Veiga, com capacidade para 396 detentos, e o presídio Professor Jacy de Assis que comporta 940 vagas - as duas unidades funcionam com superlotação. Para o setor de estatística da 9° Região Integrada de Segurança Pública (RISP), a maior incidência de ações criminosas tem no topo da lista o furto consumado, seguido por recepção, evidenciando um mercado paralelo que mantém de forma lucrativa as ações criminosas - que na periferia assume uma noção muito clara de territorialidade, abrindo margens ao fornecimento e venda de entorpecentes.

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A estatística mortes violentas é bem complexa, pois envolve: a violência contra a mulher (doméstica e feminicídio), o racismo, a homofobia, o latrocínio, o desacerto de contas com o tráfico de drogas, entre outros. Os registros de 2018 demonstram, ainda, que os estabelecimentos comerciais e/ou residências são mais vulneráveis aos delitos, e que nas ações criminosas de grande porte, o roubo de cargas tem predominância. 

RACISMO E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

 

A pedagoga Dandara Tonantzin, há dois anos, foi vítima de racismo durante uma festa de formatura dos alunos de engenharia da UFU, por usar um turbante na cabeça (adereço africano que evidencia o empoderamento da mulher negra). “O delegado de plantão não quis qualificar como crime de racismo, constou apenas agressão física, motivada por preconceito racial”, relata Tonatzin, que decidiu mover dois processos contra os agressores, um civil e outro criminal. Após seis meses, o juiz arquivou o processo, concordando com as argumentações da Polícia Civil e Ministério Público. 

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“Na conclusão da Justiça, o racismo estava na alma da requerente e os acusados foram apenas deselegantes com a denunciante” - Dandara Tonantzin | Foto: Felipe Vianna

A cidade tem registrado casos reincidentes de violência contra a mulher, aumentando as estatísticas de feminicídio. Em 2015, após não concordar com o fim do relacionamento, o policial militar Clóvis Durade Cândido disparou 13 tiros que atingiu a professora Veridiana Rodrigues Carneiro, no momento em que ela chegava em casa, no bairro Santa Mônica, zona Leste. O crime foi registrado por câmeras de segurança e comoveu a cidade. Cândido foi a júri popular em abril deste ano, ele recebeu a sentença de 13 anos de prisão, a princípio, em regime fechado. No julgamento, o ex-militar alegou que não se lembrava de nada. 

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Os disparos contra Veridiana ocorreram em via pública, quando ela tentava fugir do agressor | Foto: Reprodução/TV Integração 

Segundo o coronel aposentado da Polícia Militar, Flávio Luizi Lobato, ocorre, em Uberlândia, uma junção entre criminalidade, violência e tráfico de drogas. “O índice de homicídio aumentou muito em Uberlândia. As causas perpassam sempre pela venda de drogas e desacerto de contas com o crime organizado”, explica. Lobato esteve no comando da 9º RISP de 1999 até 2002, depois, administrou a penitenciária Pimenta da Veiga, por dez anos. “Os bolsões de miséria contribuem para o tráfico, propiciam o comércio e a mão de obra no mesmo local - são facilidades estruturais que o crime precisa para se efetivar”, complementa.  

Para o coronel aposentado, ocorre no país uma interiorização do crime, que atinge até cidades de pequeno porte, de 30 a 50 mil habitantes. “As facções criminosas estão tomando conta, isso se deve a falta de um combate efetivo à criminalidade, principalmente no campo prático. As leis afrouxam a punição exemplar, dificilmente muda o comportamento do detento”, aponta. De acordo com o militar, os programas de ressocialização conseguem atingir apenas os condenados de bom comportamento, sem abranger a socialização para os de alta periculosidade. “Quem tem carga criminosa elevada não se recupera desta forma. Eu acredito que a Lei precisa ser mais dura com esse perfil criminoso, cumprindo a pena total”, defende.  

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‘Não tenho dúvidas de que as cidades de médio porte são visadas por facções criminosas, ainda mais Uberlândia, pela posição geográfica’ - Cel. Flávio Luizi Lobato | Foto: Cássio Lima

Em Uberlândia, as facções residem no mesmo espaço das famílias sem moradia e das igrejas evangélicas de periferia, é o que afirma José Bento (pseudônimo usado para preservar a identidade da fonte), ao pesquisar uma ocupação com mais de 12 mil moradores, na zona leste da cidade. “Esses espaços são coincidentes, há uma rede familiar de pessoas envolvidas com o tráfico de drogas, estruturada pela própria presença no território. O objetivo do tráfico é iniciar a formação de uma “biqueira”, que atende aos interesses das facções”, explica. Segundo o pesquisador, quando um bairro de periferia é criado, surge com ele um mercado consumidor novo, ou então, um trânsito para a substância entorpecente. 

 

Outro eixo da pesquisa trata das vulnerabilidades e subalternidades existentes nestes lugares. “Algumas famílias acabam sendo assediadas em decorrência do exército de desempregados. É comum apenas uma refeição por dia, em decorrência, crianças de 14 e 16 anos acabam seduzidas pelo tráfico’, conta Bento, que questiona a ausência do Estado e a ação de militares. “A polícia na periferia desencadeia um progressivo aumento de violência. A comunidade, na maioria das vezes, é pacífica, mas quando a polícia chega é instaurado um procedimento violento”, relata. Para o pesquisador, a segregação territorial ocorre com a presença da força policial, que reafirma a exclusão, essa violência acaba por construir uma característica, uma imagem das áreas ocupadas, tornando um padrão de sociabilidade local.

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O Glória (bairro Élisson Prieto) é considerado uma das áreas de vulnerabilidade social em Uberlândia. Segundo a Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab), 1200 famílias vivem no local. | Foto: Maria Júlia Araújo

A violência na periferia é refletida ainda no volume de ocorrências espalhadas pela topografia da cidade, apesar de sofrer alterações ao longo dos anos. O serviço de inteligência da polícia confirma a intensificação das abordagens nas ocupações e em bairros com maior incidência de tráfico de drogas, como: Esperança na zona Norte, Luizote e Jardim Canaã na zona Oeste, Shopping Pack e São Jorge na zona Sul e, Morumbi e Dom Almir na zona Leste.

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A causa morte dos crimes violentos, em grande parte, perpassa pelo tráfico de drogas, ou está associado a ele. A estatística da PM aponta as duas modalidades como as principais geradoras de homicídios no município, abarcando quase 30% das mortes em 2018. Na maioria dos casos, advém do controle de território, ou dívidas de usuários com traficantes. Entretanto, as condições sociais que levam os sujeitos para o ‘mundo do crime’ não estão circunscritas somente à transgressão da Lei e/ou ao fato de consumirem entorpecentes. Há fatores socioculturais que interferem significamente na prática dos delitos.

O psicólogo Pedro de Falco trabalha, há oito anos, com a recuperação de dependentes químicos e de egressos do sistema prisional. Ele considera a “sedução pelo poder” e o controle de territórios nas comunidades, somados, ao aumento da capacidade de consumo para quem vende drogas - como fatores principais de adesão à criminalidade, principalmente, entre menores e adolescentes. “A falta de afetividade também é um problema, nos atendimentos nota-se um histórico de abandono e de abusos, na maioria dos casos, envolve parentes próximos”, explica o psicólogo. O terapeuta insere a droga em um contexto social e aponta a escola como um ponto de assédio do tráfico. “Aquela pessoa mais rebelde, excluída, vítima de preconceitos, muitos para serem aceitos passam a usar drogas. O consumo de entorpecentes torna-se um ritual, a cereja do bolo”, afirma.  

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A pichação no muro de uma escola pública na zona Leste de Uberlândia, a região é considerada pela polícia como ponto de tráfico de drogas | Foto: Cássio Lima

Para Falco, a situação fica mais séria quando esse aluno abandona a vida escolar e passa a trabalhar para o tráfico. “Eu lembro de um paciente que dizia que num fim de semana conseguia dois mil reais. É muito dinheiro para quem está desempregado. É muito sedutor! A grana entra fácil demais”, descreve. Nessa geografia do crime, a periferia reflete exclusão e baixa capacidade de consumo, a possibilidade de ascender socialmente torna o tráfico uma alternativa menos perigosa do que já é. “O garoto que têm o tênis, a moto, o carro - o jovem quer tudo isso. Portanto, o crime atrai gente que tem e não tem trabalho, pessoas que precisam auxiliar em casa e até mesmo quem busca fama e poder”, enfatiza. 

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‘Quem entra para o tráfico não pensa apenas em consumir drogas, está a procura de ser alguém na vida de forma rápida e potente’ - Pedro de Falco | Foto: Cássio Lima

AS ONDAS DE VANDALISMO 

Há  três anos, apareceu na cena policial do município ações criminosas pouco vivenciadas pela população. Em junho de 2018, mais de 12 ônibus foram incendiados na cidade, com procedimentos semelhantes ao que ocorreu em Belo Horizonte. Na época, as polícias Militar e Civil não descartaram uma possível influência de facções criminosas que atuavam no presídio e na penitenciária do município. A suspeita era que um maior rigor nas vistorias, em dias de visita aos presos, teriam motivado os ataques. Porém, nenhum órgão confirmou essa hipótese.

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Em 2018, um dos incêndios foi na Rua Esplendor, no Bairro Morumbi | Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação

Quem participou da cobertura dos ataques foi o jornalista Jorge Alexandre Araújo, na época, editor do jornal Diário de Uberlândia. “Era alguma coisa que não se sabia o motivo”, relembra. “Havia muita especulação a partir do terceiro e quarto ataque, um 'burburinho' sobre alterações nas rotinas do presídio Professor Jacy de Assis”. Em uma das ocorrência de incêndio, no bairro Daniel Fonseca, zona oeste, Araújo constatou: “Quando eu cheguei o ônibus ainda estava em chamas e recordo bem que senti o cheiro da fumaça. Flagrei a ação dos bombeiros tentando conter o incêndio”, ele disse ainda que a polícia havia detido alguns suspeitos. ”Eu fui até Delegacia e constatei que eram jovens”.

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”Era comum ouvir dos suspeitos: só porque eu estava com uma garrafa de gasolina, que ia levar pra casa” - Jorge Alexandre Araújo | Foto: Cássio Lima

A jornalista Cássia Bomfim têm 30 anos de profissão, 17 nas redações de Uberlândia. Uma trajetória próxima da crônica policial do município. “Uma vez entrevistei o responsável pelo núcleo da facção. Ele disse que sustentava mais de 40 famílias na comunidade. A atitude era uma forma de se organizar no território”, revela Bomfim sobre o papel que é do Estado, mas que foi assumido pelas organizações criminosas. “O crime te conhece, você tem nome e endereço. Também é julgado quando desobedece normas estabelecidas”, informa.

Quanto à série de incêndios a ônibus, a jornalista policial encara como uma demonstração de visibilidade, de mando. “As forças policiais foram atrás, mas não acabou. Não vai acabar! Enquanto o assédio for superior a presença do Estado”, garante. Para Cássia Bomfim, há uma junção entre a “política suja do país” e o poderio do tráfico. “Não adianta “trancafiar os cabeças” do crime organizado, se não desarticular os poderes econômico e político. O patrimônio precisa ser desapropriado, pois é ele que faz a estrutura ser mantida e protegida”, defende.   

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”O próprio líder de facção, “Fernandinho Beira-Mar”, afirmou em entrevistas que há políticos no meio das facções” - Cássia Bomfim | Foto: Cássio Lima

Em março deste ano, a Justiça de Minas Gerais condenou 25 integrantes de facção criminosa, indiciados durante a série de ataques a ônibus. A pena variou de 22 anos e oito meses a 32 anos e dois meses de prisão, inicialmente em regime fechado - as informações foram divulgadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Em 2018, segundo a Polícia Civil, mais de 100 ônibus foram incendiados no Estado, em Uberlândia, a quantidade foi superior a 12 veículos. 

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