Entrevista
O CINEMA BRASILEIRO PELA LENTE DE IARA MAGALHÃES
A levada para a tela grande de sujeitos ora rejeitados pela indústria de massa
representa o mais novo grito de resistência
por Cássio Lima

A pesquisadora Iara Magalhães aposta num 'Cinema de Lutas' como forma de resistência
| Foto: divulgação
A história do Cinema Brasileiro começa no final do século XIX. Um dos problemas iniciais era a falta de eletricidade nos grandes centros urbanos, que foi resolvida a partir de 1907, o que contribuiu para o aumento das exibições. No Rio de Janeiro abriu vinte salas de cinema. Após 1930 surge o cinema falado.
Alguns pesquisadores admitem que o Cinema Brasileiro nunca conseguiu se firmar como indústria. A dependência de financiamento público também foi encarada como forma de controle do Governo, principalmente, durante a Ditadura Militar. Um caminho de idas e vindas, marcado pela resistência.
O blog 'Reflexos - entre sociedade e cinema' conversou com a pesquisadora em audiovisual, Iara Magalhães. Em 2007, Magalhães fez mestrado em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), em São Paulo. Também é professora universitária e participa da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, ainda faz parte da Associação Cultural Novamídia. A educadora coordenou o curso de Produção Audiovisual no Centro Universitário do Triângulo (UNITRI), administrou a Casa da Cultura e foi secretária municipal de Cultura, cargos públicos exercidos em Uberlândia. Por telefone, Magalhães concedeu entrevista ao blog 'Reflexos' e apontou retrocessos e avanços do cinema no país.
Reflexos - Qual foi o período mais marcante na produção de cinema no país?
Iara Magalhães - A fase de ouro do Cinema Brasileiro foi nos primeiros tempos. Tudo que foi produzido era distribuído e exibido. Os filmes feitos durante o dia tinham contato com espectador já de noite, nas salas de cinema da Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, depois veio São Paulo, com as salas na região da Boca. A historiografia aponta também para o cineasta Glauber Rocha que escreveu o livro 'Revisão Crítica do Cinema Brasileiro' - onde ele pensa o processo histórico do cinema pelas fases notáveis de produção, que para ele clivam a história da sétima arte no país. Segundo o cineasta, o pioneirismo começou em Humberto Mauro, depois vem Nelson Pereira, até chegar nos anos 70.
Reflexos - Em relação ao cenário atual do Cinema Brasileiro: pode-se dizer que ele está valorizado? Falta valorizar ainda mais? Ou ainda estamos na fase de desvalorização?
Iara Magalhães - A gente tem que voltar um pouquinho e pensar este período aí: 2003, 2004 e 2005 sobre um ponto de vista, focar nos meios digitais e como isso possibilitou o aumento da produção audiovisual. Mas, um outro gargalo foi encontrado com as novas tecnologias: distribuição e exibição. Então, temos que pensar nas várias fases e momentos onde as pessoas são impedidas, ou não podem assistir os filmes. Enfim, o Cinema Brasileiro é como se fosse uma vela, ele apaga e acende de novo.
Reflexos - Qual a relevância da produção de cinema no contexto político e cultural?
Iara Magalhães - Uma coisa muito bacana para se pensar é o cinema enquanto estética e política. A produção nacional tem uma contribuição importante nesta área desde dos primórdios. No ano de 2017 houve um rol imenso de filmes de resistência, de intervenção, que foram feitos por novos sujeitos e com novas maneiras de se fazer cinema, novas práticas. São sujeitos não vistos, como: as mulheres, LGBTQ+, os indígenas, os quilombolas, as periferias - esse pessoal tem feito um cinema de altíssima qualidade estética e política. Para que se tenha uma ideia, vários festivais no ano de 2017 tiveram amostras denominadas de 'Cinema de Lutas'. Então, destaco esses cinemas de intervenção, onde os cineastas vão para aqueles lugares em que é possível fazer filmes com as comunidades. Há três características importantes nesta narrativa: a primeira é a imediaticidade de que alguma coisa precisa ser mudada, alguma luta exige engajamento; a segunda é a médio prazo: a criação de uma produção de contra narrativa à mídia de massa e, por último: que esse volume de filmes produzidos pode se tornar memória. Posso citar aqui algumas produções relevantes: 'Missão com Cadu', 'Baronesa', 'Morri na Maré', 'Travessia', 'O Povo da Terra do Rio' e outros tantos.
Reflexos - Em termos de movimentação da indústria, o que você destaca de mais importante?
Iara Magalhães - Desde memória do subdesenvolvimento do Cinema Brasileiro até agora, há uma luta para que a sétima arte se torne indústria no país, ou seja, tenha uma cadeia produtiva eficiente na produção, distribuição e exibição. Primeiro, destacar as inúmeras experiências do cinema nas universidades, coloco aqui o 'Inventar com a Diferença' da Universidade Federal Fluminense; segundo, os festivais e curadorias com mais liberdade e democracia - pensando esses novos sujeitos que estão fazendo filmes e para quem eles estão fazendo; a terceira, é a Agência Nacional de Cinema (ANCINE), com a finalidade de regular o mercado. Entretanto, temos que brigar para que não haja retrocessos, como têm acontecido em várias áreas deste país. Caso contrário, ocorre uma interrupção nesta retomada do Cinema Brasileiro.
Reflexos - Como é ser pesquisadora de cinema no Brasil?
Iara Magalhães - Eu acho que é ficar atenta a esses movimentos e pensar o poder das imagens, eu posso dizer, a pragmática da imagem. O que a imagem pode mudar na vida das pessoas? Essa imagem urgente, essa imagem que eu preciso falar sobre ela e que uma pessoa precisou fazê-la, criá-la.
Reflexos - Obrigado pela entrevista!
Iara Magalhães - Eu que agradeço pela oportunidade de falar de cinema aqui no 'sertão'. Obrigada!
Cinema de Resistência
A história do Cinema Brasileiro tem uma narrativa de resistências, aliando-se com o Teatro de Revista e as Radionovelas. Mesmo não abrindo mão do romance e da comédia, as narrativas sempre passaram pelo fértil terreno das temáticas políticas e socioculturais, com um rol imenso de filmes que foram censurados nos 'anos de chumbo' da Ditadura.
O grande retrocesso ocorreu neste período de maior ataque à livre expressão de pensamento, que não só desmantelou a cadeia de produção, distribuição e exibição, mas, interferiu diretamente nas narrativas independentes. A herança deste processo histórico é que o grande financiador do Cinema Brasileiro continua sendo o Estado, mesmo com os avanços jurídicos e tributários de incentivos às parcerias com a iniciativa privada.
A levada para a tela grande de sujeitos ora rejeitados pela indústria de massa, representa hoje o mais novo grito de resistência. Os filmes com as comunidades não somente mudam a perspectiva da filmagem, também, dão vozes a novos atores e atrizes da periferia, num formato próximo do cotidiano, sem maquiagem. A realidade nua e crua demonstra um país real, que não foi inventado, manipulado e distorcido. Infelizmente, essa tendência é muito mais oriunda de novos recursos tecnológicos, do que necessariamente de uma política sociocultural relevante para o setor, com a finalidade de mudar velhos paradigmas.
Baronesa
O filme assinado pela diretora mineira Juliana Antunes, 'Baronesa', mostra o dia a dia de duas vizinhas e amigas que moram na periferia de Belo Horizonte. De um lado, Andreia começa a construir sua casa para se mudar. Do outro, Leid e os filhos estão à espera do marido, que está preso. Em comum, a necessidade de se desviar dos perigos da guerra do tráfico, junto, à estratégia de evitar as tragédias trazidas em consequência do crime. Assista o trailer oficial do filme de resistência 'Baronesa', uma lente precisa da relação: mulheres, Brasil e favelas. Bom filme!
Ficha técnica
- Baronesa
Ano de produção: 2017
Dirigido por: Juliana Antunes
Estréia: 7 de Junho de 2018 (Brasil)
Duração: 75 minutos
Gênero: Drama Nacional
País de origem: Brasil