Crônica
VENEZUELANOS NO BRASIL
A crise de refugiados chega ao país pela fronteira de Roraima; a intolerância social
que surge diante do crescente número de desabrigados
por Cássio Lima

De acordo com estimativas das autoridades brasileiras, cerca de 60 mil imigrantes e refugiados venezuelanos entraram no país por Pacaraima no último ano, fugindo da crise política e econômica na Venezuela | FOTO: Dnotícias
Está escrito no segundo livro da Bíblia, intitulado de Êxodo, o relato de Deus compadecendo-se do sofrimento de seu povo, Ele decide ajudar, levá-los do Egito para uma outra terra, descrita como boa e farta. Independente da crença, o clamor por liberdade ultrapassa eras existências, quando falta o essencial para a sobrevivência é comum a partida, o suspiro pela vida está além da ideologia política e dos perigos da estrada. Do ponto de vista lógico, é irracional colocar crianças sobre os ombros, pegar um pouco de roupa que dê para levar e, rumar em direção a fronteira. Não se sabe se haverá emprego, comida, casa, água para beber na viagem. O que move não é as garantias de sobrevivência, mas, a esperança de encontrar algo novo, diferente do que está aparente. Nos últimos meses, essa têm sido a sina do povo venezuelano que cruza a fronteira brasileira todos os dias.
A crise de refugiados não está somente nos continentes Africano e Asiático, está mais perto do que se imagina. O Brasil tenta não fechar a fronteira, mesmo que o governo de Roraima tenha decretado estado de calamidade. A situação é de saúde pública, muitos ficam nas praças da cidade, os postos de saúde estão superlotados, a noite, jovens venezuelanas buscam na prostituição a sobrevivência. Os abrigos estão cheios e estáticos, a proposta inicial seria de passagem, não de permanência. O Governo Federal estuda uma arremessa de refugiados para São Paulo e Rio de Janeiro, a terceira parte seria enviada para Manaus, as discussões se prolongam sem resultados concretos.
Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), um em cada 113 seres humanos no mundo estão desarraigados, precisam de asilo, estão deslocados dentro do próprio país e/ou refugiados. Os motivos são múltiplos, a maioria passa pela fome e seca, perseguições políticas ou religiosas, questões de sexualidade e gênero, e principalmente, a violência e a miséria oriundos dos conflitos e guerras. Outras causas importantes não podem ser esquecidas: a má distribuição de renda geradora de desigualdades sociais, os interesses imperialistas das potências capitalistas em regiões subdesenvolvidas, ou em estágios intermediários de desenvolvimento. Também, os comprometimentos político e econômico de grande parte dos países geram uma inércia para resolver a crise de refugiados. O continente europeu recebeu entre 2015 e 2016 quase 1,5 milhão de refugiados.

Segundo a ONU, atualmente, há mais de 65 milhões de refugiados no mundo, a taxa de crescimento é de 10% de uma ano para outro | FOTO: Dnotícias
A Venezuela vive a maior crise política e econômica de sua história, que só faz crescer o número de refugiados aqui no Brasil. No país vizinho falta emprego, quando se tem dinheiro falta alimento e também remédio. 52 mil venezuelanos de seus mais de 30 milhões de habitantes pediram refúgio em outras nações. 13 mil só em 2017 fugiram da crise e perseguição de cunho político ideológico, buscando abrigo e proteção no Brasil. A estimativa é de quase 30 mil venezuelanos vivendo em situação irregular em nosso país, segundo dados publicados pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur).
A vida de refugiados no Brasil não é nada fácil: o país não impede a entrada, mas a sobrevivência é por conta de quem atravessa a fronteira. O Governo Federal não tem uma política de inclusão do refugiado na atividade econômica brasileira, no máximo garante abrigos temporários que vem se tornando residências fixas. Aqui, eles continuam vítimas do desemprego, da miséria e da violência, às vezes, submetidos a xenofobia e discursos de ódio de moradores locais. A posição marginalizada: sem pátria, sem endereço, sem dignidade humana - reiteram o círculo vicioso da violência. São sujeitos sociais invisíveis, mesmo lutando para serem vistos, incluídos, agregados. As ações são paliativas: um prato de comida ao dia, uma consulta no posto de saúde, um remédio que faltava, uma barraca improvisada na praça pública, sem trabalho e dinheiro. Alguns “cansam” e resolve ir a pé para capital do estado Porto Velho, outra partida, outra esperança, outra procura.
