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Revista Reexistência - X Copene
O MOVIMENTO NEGRO NA RECOLONIZAÇÃO DA ESCOLA BÁSICA
A ex-ministra da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, afirma que a desconstrução do mito da democracia racial se dá por tensões e não consensos
por Cássio Lima

O X Congresso de Pesquisadores Negros [Copene] reuniu mais de quatro mil congressistas no segundo semestre de 2018; na Universidade Federal de Uberlândia | FOTO: Diretoria de Comunicação UFU
A ex ministra da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, tornou-se a primeira mulher negra do Brasil a comandar uma universidade pública federal, ao ser nomeada reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em 2013. A pedagoga tem se posicionado, frequentemente, na luta contra o racismo no Brasil. Em 2 de outubro de 2015 foi nomeada pela presidente Dilma Rousseff para ocupar o novo Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que uniu as secretarias de Políticas para Mulheres, Igualdade Racial, Direitos Humanos e parte das atribuições da Secretaria-Geral. Gomes permaneceu no cargo até o dia do afastamento de Dilma pelo Senado Federal. Em outubro de 2018, a docente da Universidade Federal de Minas Gerais abriu o Simpósio Nacional de Educação Básica da ABPN, durante o X Congresso Nacional de Pesquisadores Negrxs, com o tema 'O Movimento Negro reeduca a Educação Básica'. O encontro ocorreu na Universidade Federal de Uberlândia, como uma das atividades do X Copene.

"Quando a escola admite que não há racismo, ela contribui para a perpetuação das práticas discriminatórias nos estabelecimentos de ensino" - Nilma Lino Gomes
| FOTO: Divulgação
A TAREFA DE EDUCAR
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Educar é recolonizar, foi assim que a ex-ministra Nilma Lino Gomes deu início à palestra no X Copene. 'Os principais entraves da emancipação do negro é a superação do racismo na sociedade como um todo, que também se manifesta na escola, pública ou não', declara Gomes. Portanto, a gênese do enfrentamento está no reconhecimento de que o estabelecimento de ensino ainda é uma instituição que possui práticas racistas, que precisam ser desconstruídas e que devemos construir uma nova pedagogia de combate a tais práticas. Hoje, os professores têm a nova Lei de Diretrizes Básicas da educação alterada, onda há uma série de orientações para o corpo docente da escola sobre como se pode construir uma educação para as relações étnico raciais - tornando a escola brasileira anti-racista. Também, o próprio Movimento Negro tem realizado orientações e produção de saberes que ajudam a escola e seus currículos a repensarem suas ações, de forma democrática e inclusiva.
O mito da democracia racial ainda permeia de forma considerável os estabelecimentos de ensino. A crença de que vivemos num país não racista insiste em permanecer, até mesmo em algumas práticas pedagógicas que trabalham com o tema no calendário escolar, semelhante ao que acontece no Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de Novembro, em homenagem a morte de Zumbi dos Palmares. A superação para a ex-ministra está em deixar de ser 'romântico'. 'Quando a escola não aceita que há racismo, quando prega que todos os grupos étnicos raciais viveram em harmonia no Brasil, como se não tivesse havido tensões, relações de poder, disputas - a postura acaba por perpetuar a prática discriminatória', relata Gomes ao explicar os mecanismos de reprodução de inverdades históricas que procuram esconder um passado de lutas, de resistência e ganhos de direitos sociais da comunidade negra. A maior consequência desse comportamento escolar é a formação de novos sujeitos que negam o conflito e não contribuem de forma significativa para que ele acabe na vida social, já que é ignorado nos processos pedagógicos de formação cidadã.
Quando a escola assume uma posição crítica, ela começa uma desconstrução do mito da democracia racial e passa a entender que há um direito a todo estudante negro e não negro de ter respeitado sua cultura, vivência, conhecimentos e valores. A partir de então, os currículos escolares passam a inserir conhecimentos para todos os estudantes, considerando as relações étnicos raciais. 'A escola deve primar pela manifestação da pluralidade, o negro não é apenas um estudante, ele vem com a sua ancestralidade: a roupa, o cabelo, o estilo negro de ser expresso no corpo em movimento - nos ambientes do saber”, define Gomes.

Segundo uma das organizadora do X Copene, Luciane Dias, o desafio é transformar o Congresso em memória, possibilitando mais acesso à ciência, com uma linguagem acessível. | FOTO: Diretoria de Comunicação UFU
O PAPEL DO MOVIMENTO NEGRO NA ESCOLA BÁSICA
Um novo paradigma também se abre aos movimentos negros do país, não somente na marcação do discurso de implementação de novas políticas públicas na esfera étnico racial, mas na fabricação de novos saberes, funcionando como um braço da escola no trabalho cotidiano de inclusão. 'O movimento negro reeduca a educação básica, na medida em que traz ao convívio escolar temáticas antes ignoradas ou pouco abordadas em profundidade pela gestão escolar', explica a ex-ministra ao defender uma nova postura dos movimentos negros na reprodução dos saberes, ocupando um lugar de protagonismo na formação dos estudantes, deixando um papel periférico na relação ensino aprendizagem. Aqui, o saber negro passa a compor o conteúdo étnico racial da escola básica.
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A conferencista afirma ainda que o fundamento da escola brasileira surgiu para não atender pobres e negros. A sua essência é de exclusão. Em decorrência, a escola pública se abre por força e pressão. 'Um processo contínuo de tensionar para gerar o debate, esse avança em alguns pontos e em outros não, mesmo assim, provoca acomodações positivas de inclusão”, complementa. Em suma, para se ter um efetivo combate ao racismo na educação precisa partir da premissa de que os avanços se dão nas tensões e não nos consensos. Como aponta o educador Paulo Freire quando teoriza sobre democratizar a escola, principalmente, na pluralidade da escola pública, onde é preciso tensionar para conquistar direitos, com isso, ocorrerá mais expansão do saber inclusivo.
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Outro fator importante neste processo contínuo do conhecimento pelas diferenças - é saber que a educação básica não está inteiramente acabada. Portanto, os novos saberes funcionam como evolução do conhecimento, esse mais democrático e contemplado nos diversos aspectos da vida social, nesse caso, torna-se mais plural com a introdução efetiva da realidade étnico racial. 'Os projetos pedagógicos devem abordar as questões raciais como direito adquirido, um espaço já conquistado, contribuindo para uma naturalidade no trato da temática no ambiente sala de aula', diz Gomes ao argumentar sobre a necessidade de evitar trabalhar a questão racial com algo exótico, desconectado da cotidianidade da escola.
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Segundo Nilma Lino Gomes, o tratado com a diversidade não pode ser de forma romântica, dependente de datas comemorativas, onde gera apenas uma reflexão sobre a problemática social, fora do dia dia dos estabelecimentos educacionais. O currículo étnico racial, a cultura e a crença ancestral dos negros não podem ser absolvidos como elementos exóticos, uma mercadoria cultural contemplativa, sem interação com a realidade fora e dentro da escola. O recorte da questão social e racial estão impregnadas, indissociável.

"Um dos objetivos do X Copene foi consolidar a relação entre pesquisadores negros e educação básica" - explica o coordenador do evento, Benjamim Xavier.
|FOTO: Diretoria de Comunicação UFU
A RIGIDEZ DAS ESTRUTURAS
As estruturas sociais são rígidas. As normas que regulamentam tais sofismas incidem sobre os sujeitos da forma mais diversa possível, reproduzindo o lugar oprimido do negro. 'O caminho é reeducar a escola - é no ensino básico onde está as primeiras experiências de vida escolar. Uma realidade que será sempre marcada por tensionamentos', argumenta Nilma Lino Gomes. Então, uma rede do saber precisa ser tensionada: a universidade com seus currículos de licenciatura, a direção escolar com a introdução da temática étnico racial no eixo curricular comum, os novos educadores com uma visão ampliada da existência do racismo na escola - que precisa ser admitido para que haja o combate.
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A ex-ministra também chama atenção sobre a prática dos tensionamentos, que devem ser encarados como uma alternativa positiva, nos enfrentamentos das estruturas do saber que estão consolidadas e resistentes às mudanças. 'A ação de desconstruir gera propostas reeducativas, isso ocorre na tensão, se houver consenso, essa etapa evolutiva é interrompida”, explica. Portanto, na tentativa de impedir retrocessos, o Movimento Negro precisa romper com um contexto inadequado de padrões normativos da educação básica, para isso, deve lutar para: alterar os padrões de conduta, retirar os sujeitos negros do lugar de oprimido, trazer à tona os preconceitos e as concentrações de poder que não querem ser alteradas.
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A construção de uma escola inclusiva e resistente ao racismo depende de uma nova postura do Movimento Negro, com ações mais efetivas em todos os setores da sociedade. Os negros articulados politicamente abrem uma nova perspectiva de protagonismo. A atuação deve ocorrer em vários segmentos [movimentos sociais e acadêmicos], considerando a realidade racista que deve ser tensionada, sem romantismo, expondo os elementos históricos que contribuem para a consolidação do processo de construção dos saberes, criando um protagonismo importante no currículo escolar. 'A história da cultura negra veio de dentro para fora e não de fora para dentro, ou seja, a emancipação passa pelo retorno à diáspora africana, desconstruindo ideologias racistas e desmistificando estereótipos', acrescenta Gomes.
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Nestes tempos, o processo de reeducação inclusiva corre risco de emudecer. Em contraponto, o Movimento Negro deve produzir conhecimento acadêmico e de militância frente à realidade nacional do racismo epistêmico. Portanto, tornar acessível a construção do próprio saber negro. Na prática, a escola básica voltada apenas para a arte [o grafite] e a religiosidade [candomblé] estaria apenas reproduzindo o que já existe, o que está disponível em maior ou menor grau pela sociedade, sem interferir decisivamente no desmantelamento do racismo institucional na escola. 'O educador precisa ser incisivo nas pedagogias étnico raciais', finaliza.

O curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia contribuiu na produção de uma revista sobre o congresso, com a coordenação do professor Dr. Gerson de Sousa |FOTO: Diretoria de Comunicação UFU
OS AVANÇOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO ÉTNICO RACIAL
A compreensão sobre os documentos oficiais do Governo que rege o sistema educacional do país é de grande relevância. A primeira, as Diretrizes Curriculares que obedeceu um amplo processo de discussão no país, onde colocou a temática étnico racial como conteúdo obrigatório do eixo curricular comum. O segundo, as Diretrizes Quilombolas, onde carrega uma organização mais aprofundada desse recorte inclusivo, contribuindo de forma significativa na disponibilidade de conteúdos a serem explorados na relação ensino-aprendizagem. Por último, o próprio Plano Nacional de Aplicação das Diretrizes, com destaque para as lutas históricas, incluindo a formação educacional, tendo como referência a Constituição de 1988. Em suma, a construção da identidade negra é um direito, algo afirmativo e dado pelo estado democrático.
Para Nilma Lino Gomes, mesmo que as garantias legais estejam asseguradas, os processos identitários estão em construção, assim com: a arte, a história e a evolução dos povos. Nesse movimento, a escola básica tem como dever construir um cotidiano de combate ao racismo. A pedagogia traz isso no seu cerne, na sua essência constitutiva. Portanto, a luta também se debruça na eliminação de pedagogias racistas, num entendimento paralelo ao que está garantido na Constituição. 'A resistência precisa partir de questões que já estão inseridas, mesmo que haja tensões para garantir este lugar de emancipação', alerta Gomes.
Um olhar sobre o corpo negro na escola, como conhecimento de ancestralidade e afirmação social - são possibilidades que abarca uma pedagogia étnico racial. Isso é importante, pois a corporeidade negra de resistência, com elementos sagrados da religiosidade africana são arrancados da educação básica, num processo de exclusão histórica. 'A ancestralidade do corpo negro que sofre violência é o mesmo que deve gerar a defesa pela violência, rompendo e imprimindo a permanência da identidade negra na sua amplitude', ressalta a ex-ministra ao evidenciar o racismo institucional na educação. O samba, o funk, a capoeira, a arte nos corpos negros devem ser garantidos na sua relação étnico racial, sem a deturpação da desapropriação cultural que dá outros sentidos, desconectados da historicidade negra. 'A sala de aula é um local de enfrentamentos, não somente de concordâncias', complementa.
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As diretrizes fundamentais para o enfrentamento do racismo na escola básica passa pela integralidade na aprendizagem entre negros e brancos. Os primeiros anos da vida escolar devem ser marcados pela construção de uma sociedade inclusiva. Todavia, os racismos e discriminações perpassam pela escola, mas não nascem nos estabelecimentos educacionais - por isso a tarefa de reeducar. Não obstante, é proibido improvisar - tal prática violenta as relações étnicos raciais, reiterando o preconceito institucional. 'A reeducação que nasce nos quilombos e traça uma caminhada institucional para existir no panteão teórico curricular - é muito recente', argumenta a conferencista. Em decorrência, compreender essas questões pelo aspecto negro quilombola, somado às mulheres negras, as crianças e à juventude ainda são desafios diários. 'Algumas escolas resistem, porém, os órgãos representativos dos movimentos negros não podem parar de tensionar”, evidencia.
Nesse momento de acirramento de forças conservadoras, capitalistas, de extrema direita no Brasil - nós temos que lutar pela nossa Democracia que está em risco, onde todos os avanços das minorias tendem a fragilizar, entre eles: as mulheres, os negros, os quilombolas. O que se coloca na onda de conservadorismo é uma recusa de um trato afirmativo de direito com a diversidade, isso está colocado em jogo. 'Neste momento, temos que agir com força, sabedoria e prudência para fazer valer o que já conquistamos, são avanços simultâneos da escola e da sociedade brasileira, pois quanto mais se supera o racismo, melhor a sociedade fica para todos nós', aponta Gomes ao retratar a realidade política e social no país. Todavia, a construção desta compreensão é um embate continuado, gera confrontos e tensões, pois o que está em jogo são as relações de poder. 'A tentativa de tomada de poder de grupos que querem assaltar o estado democrático de direito, ao fazer tais assaltos, eles violentam todos os avanços da diversidade. Para resistir, temos que voltar a tensão para a escola básica', alerta.
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"REEXISTÊNCIA"
https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=541
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