Perfil
AS MARCAS DE GRANDE OTELO NA HISTÓRIA DO CINEMA
Dos palcos de uma companhia de teatro mambembe ao reconhecimento internacional;
como um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos
por Cássio Lima
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A conclusão das obras de reforma do teatro Grande Otelo está prevista para antes de 2020 | FOTO: G1 Triângulo
A única presença material do ator ilustre de Uberlândia, Sebastião Bernardes de Souza Prata, conhecido mundialmente por Grande Otelo - é o Teatro que leva o seu nome na Avenida João Pinheiro, de fronte para a praça Nossa Senhora da Aparecida. As obras de reforma do prédio estão interditadas pelo Ministério Público, um novo processo licitatório está previsto para este ano, onde a restauração poderá ser retomada. A expectativa é de reabrir a casa de espetáculos antes dos dois próximos anos. Enquanto isso, a memória do ator de 1,5m vai se deteriorando sobre a cidade que constrói sua imagem pela âncora do progresso, sem se preocupar tanto com a memória de um negro que deixou suas marcas no cinema brasileiro.
Grande Otelo carregou a versatilidade de um bom ator, embrenhando-se de comediante, cantor, produtor e compositor. O enorme talento escondeu um passado difícil, de perdas consideráveis. Quando o pai morreu esfaqueado, a mãe, uma cozinheira que trabalhava com o copo de cachaça ao lado do fogão, resolveu casar outra vez. Desamparado, Otelo aproveitou a visita de uma companhia de teatro mambembe a Uberlândia para escapulir. A diretora do grupo, Abigail Parecis, o adotou 'de papel passado', levando-o para São Paulo.
Em seu novo lar, tinha a tarefa de levar a filha de dona Abigail às aulas de piano. Porém, o menino fugiu de novo e após várias entradas e saídas do Juizado de Menores, foi adotado novamente, pela família de Antônio de Queiroz, político influente da época. Dona Eugênia, mulher de Queiroz, tinha ido ao Juizado atrás de uma garota que a ajudasse na cozinha. O administrador do albergue sugeriu que levasse o “negrinho fujão” que sabia declamar poemas, dançar e fazer graça.
Em 1932, Otelo entrou para a Companhia Jardel Jércolis, foi aqui que ele ganhou o apelido que o consagraria. Os amigos o chamavam Pequeno Otelo, por razões óbvias, mas ele preferiu o pseudônimo de The Great Othelo. Infelizmente, uma tragédia viria abalar a vida de Otelo: sua mulher matou o filho do casal de 6 anos de idade e, se suicidou. Abalado, afastou-se da cena artística.
Como se fosse para compensar o reconhecimento de todo o Brasil de que era um artista excepcional, Otelo também foi contemplado com a fama - pelo menos nos meios artísticos - de indisciplinado. Tal versão foi desmentida por Watson Macedo, diretor da maioria dos seus filmes na Atlântida, ao revelar que a cena de 'Romeu e Julieta' de 'Carnaval no Fogo' foi filmada quando o artista entra em forte depressão depois da morte da mulher e do filho. A arte falou mais alto.
Em 1954, casou com Olga Vasconcelos de Souza, que lhe deu quatro filhos e faleceu em maio de 1983, vítima de um acidente doméstico. Otelo continuou a ser um artista da noite mesmo depois do fim dos cassinos, quando passou a atuar como protagonista de quase todos os shows realizados por Carlos Machado, em boates como: Monte Carlo, Casablanca e Night and Day. Trabalhou também em televisão desde a década de 1950, sendo contratado pela TV Globo em 1966 e lá permaneceu até morrer, depois de atuar em novelas e programas humorísticos e musicais. Na TV Educativa do Rio de Janeiro, foi o apresentador de vários programas, entre os quais 'Os Astros' e 'Quando conheci seu pai', um programa em que conversava com os filhos de artistas que foram seus amigos e colegas.
Tendo iniciado sua carreira nos palcos ainda na década de 1930, o ator logo migrou para o cinema, participando da década de ouro da sétima arte brasileira: o período das chanchadas, entre os anos 40 e 50, comandado pelas produções de majors como a Atlântida e a Vera Cruz. Ao lado de Oscarito, Grande Otelo criou uma dupla cômica de vasta popularidade e habilidade cênica. Ainda no cinema, suas atuações não se limitavam às chamadas chanchadas, nem sempre bem recebidas pela crítica, mas que geralmente contavam com grande público. Em 1962, brilhou no filme 'O Assalto ao trem pagador'; em 1969, ganhou vários prêmios pela sua atuação em 'Macunaíma', de Joaquim Pedro.
Em 1973, surpreendeu a crítica teatral com o papel de Sancho Pança desempenhado na peça 'D. Quixote de la Mancha', considerado um dos maiores êxitos da história do teatro brasileiro. Em agosto de 1985, quando vivia com a atriz Josephine Helène, recebeu do governo da França o título de Commandeur de L'Ordre des Arts e Lettres, entregue pelo próprio ministro da Cultura francês, Jack Lang.
Desde fins da década de 1960, o coração de Otelo começou a sofrer as conseqüências de sua vida boêmia e do hábito de fumar, que conservou até o fim da vida. Enfrentou várias crises que o levaram a ser internado em casas de saúde, algumas vezes com sintomas de graves problemas cardíacos. Os dois últimos infartos ocorreram em Paris, sendo o primeiro em 1990 e o segundo, fatal, em 26 de novembro de 1993 - dias depois de lançar em Brasília seu livro de poesias 'Bom dia, manhã'. O coração parou quando desembarcava no aeroporto Charles De Gaulle, para ser homenageado no Festival dos Três Continentes, realizado na cidades de Nantes. Otelo foi sepultado em Uberlândia, como era o seu desejo.

Na parte externa do campus Santa Mônica, na Universidade Federal de Uberlândia; um painel ilustrativo contextualiza Grande Otelo com a cidade
| FOTO: Cássio Lima
GRANDE OTELO NO CINEMA
O artista mineiro interpretou mais de 100 personagens no cinema, segue alguns filmes em que compartilhou seu grande talento.
– Onde estás felicidade? (1939), Mesquitinha, 90 min, Brasil, Livre
- Rio Zona Norte (1957), Nelson Pereira dos Santos, 80 min, Brasil, 16 anos
- Samba em Berlim (1943), Luís de Barros, 80 min, Brasil, 12 anos
- Romance Proibido (1944), Ademar Gonzaga, 65 min, Brasil, 12 anos
- Macunaíma (1969), Joaquim Pedro de Andrade, 108 min, Brasil, 12 anos
- Matar ou Correr (1954), Carlos Manga, 87 min, Brasil, 12 anos
- O negrinho do Pastoreio, Antônio Augusto Fagundes, 85 minutos, Brasil, Livre.
- Os Três Cangaceiros (1961), Vitor Lima, 93 min, Brasil, 10 anos
- Garota enxuta (1959), Josip B. Tanko, 100 min, Brasil, Livre
- Um candango na Belacap (1961), Roberto Farias, 102 min, Brasil, Livre
- A estrela sobe (1974), Bruno Barreto, 105 minutos, Brasil, 14 anos
– Os herdeiros (1969), Cacá Diegues, 101 min, Brasil, 16 anos
- A família do barulho (1970), Júlio Bressane, 60 min, Brasil, 16 anos
- Lúcio Flávio, passageiro da agonia (1977), Hector Babenco, 118 min, Brasil, 16 anos
- O Assalto ao Trem Pagador (1962), Roberto Farias, 102 min, Brasil, 16 anos
- Jubiabá (1986), Nelson Pereira dos Santos, 107 minutos, Brasil, 14 anos.
– Barão Otelo no barato dos bilhões (1971), Miguel Borges, 119 min, Brasil, 10 anos
- O Rei do Baralho (1974), Júlio Bressane, 82 minutos, Brasil, 16 anos
– Nem tudo é verdade (1985), Rogério Sganzerla, 88 min, Brasil, Livre
– Natal da Portela (1988), Paulo César Saraceni, 100 min, Brasil/França, 16 anos
– Brasa adormecida (1985), Djalma Limonge Batista, 105 min, Brasil, 10 anos
– Mulheres à vista (1959), Josip B. Tanko, 100 min, Brasil, Livre
– A baronesa transviada (1957), Watson Macedo, 100 min, Brasil, 10 anos
– Tudo é Brasil (1997), Rogério Sganzerla, 82 min, Brasil, Livre
– Rio Zona Norte (1957), Nelson Pereira dos Santos, 80 min, Brasil, 16 anos

'Preguiçoso, manhoso, matreiro e mentiroso, desde pequeno Macunaíma não deixa de arranjar encrenca com os irmãos, principalmente, com Jinguê, de quem sempre levava as esposas para brincar' - trecho do livro Macunaíma de Mário de Andrade | FOTO: divulgação
O FILME MACUNAÍMA
De 1969, Macunaíma foi adaptação da clássica obra literária modernista de Mário de Andrade. Dirigido e roteirizado por Joaquim Pedro de Andrade. O filme é uma das melhores adaptações cinematográficas de clássicos da literatura brasileira, junto com 'Vidas Secas' e 'Memórias do Cárcere', dirigidas ambas por Nelson Pereira dos Santos e, as duas baseadas em livros de Graciliano Ramos.
Macunaíma é um clássico do Cinema Novo e mostra a cultura brasileira, sendo que o filme vai além e torna-se uma crítica alegórica ao Brasil dos anos 60, que já era época da Ditadura Militar no Brasil e, este fato não existe no livro, pois o mesmo fora escrito ainda nos anos 20, daí a originalidade e criatividade da adaptação feita por Joaquim Pedro de Andrade. O elenco tem Grande Otelo (como o Macunaíma negro) e Paulo José (como o Macunaíma branco), Jardel Filho, Milton Gonçalves, Dina Sfat, Rodolfo Arena, Hugo Carvana, Joana Fomm, Zezé Macedo, Wilza Carla e grande elenco.
Ficha Técnica
- Macunaíma
Ano produção: 1969
Diretor: Joaquim Pedro de Andrade
Estreia: 1969 ( Mundial )
Duração: 108 minutos
Classificação: 18 anos
Gênero: Comédia Fantasia Nacional
Países de Origem: Brasil