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Perfil
DELMINDA BÁRBARA DE JESUS
Aquela mulher era apta para cancelar conflitos e lançá-los
sobre o mar do esquecimento
por Cássio Lima
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Delminda gostava de receber pessoas, de ter a 'casa cheia'...
| FOTO: Cássio Lima

Era 1917. O sol já havia se posto na Fazenda do Baú, zona rural de Ituiutaba, no pontal de Minas Gerais. Após atravessar a montanha era possível ouvir os gritos da mulher em dores de parto. O barulho vinha da casa humilde, construída na mistura do barro com troncos de bambu e coberta por palhas de capim. O lampião quase apagando ajudado pelos raios de luar iluminava a cama de tábuas, claridade que ajudava os trabalhos da parteira, nas inúmeras tentativas de trazer ao mundo Delminda Bárbara de Jesus.

O fruto do ventre veio do romance entre Boaventura Alves Vilela e Guilhermina de Jesus. Após as dores foi possível ouvir os gritos de felicidade no começo do século, numa vida de imprevisibilidade no campo quase sem tecnologia, retratos de um Brasil agrário.

O bebê nasceu com saúde, as bochechas eram rosadas e com leves traços de obesidade. Todavia, a memória afetiva sofreu um grande golpe já nos primeiros anos, ainda engatinhando Delminda perde o pai. Quem o viu pela última vez dizia que morreu de mal súbito, o coração simplesmente parou. A criança agarra-se a saia de Guilhermina, subia e descia por onde a mãe andava, para alguns filha “grudenta”, já  para outros amorosa demais. Sentimento que começa a ser retribuído com dez anos de idade.

O primeiro trabalho veio da peneira do café, a plantação a encobria, mas a vassoura a ajudava na colheita, arrastando os grãos que caíam do balanço dos homens grandes. O ofício garantia o vício da mãe, sem a bebida a dor de cabeça ficava frequente. A jovem mulher não teve muita escolha, o trabalho duro sempre lhe bateu à porta. O que tinha na época era lavar roupas no córrego e depois passá-las no ferro movido por brasas, tratar dos porcos, ajudar cedo sem horário para ir embora nas casas das patroas, esposas dos donos de fazenda.

O CASAMENTO

Aos 15 anos, Delminda Bárbara de Jesus conhece o único amor de sua vida, José Bento Parreira, com ele teve 10 filhos, mas Lázaro morreu com apenas dois anos de idade, foi o antepenúltimo. Delminda e José Bento escolheram viver nas margens do córrego do Ritirim, fazenda de propriedade da família dos Azarias. Ali começaram a cultivar a terra, a criar porcos, cavalos e algumas cabeças de gado. As lavouras transitavam entre milho, arroz, feijão e café. A engorda de porcos abastecia a casa, mas também gerava renda quando as banhas de porco eram vendidas na cidade. A fartura também vinha do leite das vacas e do vasto pomar que se estendia em volta da casa feita de tijolos de barro. Também foi neste lugar que o casal conduziu ao matrimônio os primeiros dois filhos, Ney e Sebastião.

Tudo parecia normal, quando uma forte dor de estômago acometeu José Bento, as dores aumentavam e os remédios caseiros não aliviavam mais. O jeito foi pedir socorro em um hospital de Ituiutaba, o diagnóstico não foi muito bom. Delminda viu o esposo ser operado às pressas, uma úlcera maligna consumia seu intestino de forma irreversível. O estado de coma foi inevitável.

Os dias se prolongavam e sete filhos esperavam por dela. A mãe de família se revezava entre cuidar do marido e se dirigir há uma capela no interior da unidade médica, para períodos de oração. Até que um dia veio o clamor final. Delminda rezou com a alma naquele dia, pediu a Deus para curar ou levar o marido. Independente da decisão, solicitou forças para continuar. Poucas horas depois, José Bento fecha os olhos para nunca mais abrir, lá se foi com 53 anos de idade. Ela volta para casa sozinha, com 45 anos.

A VIUVEZ

A viúva passou a mão numa enxada e enfrentou as lavouras de arroz, feijão, milho e café. Ia para roça e tentava ver em algum filho a possibilidade de assumir responsabilidades de um marido que se foi, não conseguiu encontrar. O fazendeiro mudou o trato com Delminda, exigiu a venda imediata dos cavalos e das cabeças de gado, ele mesmo compraria tudo pelo preço que quisesse, ao contrário, teria poucos meses para retirá-los do pasto. A mãe pensou nos filhos e netos, não hesitou duvidar do preço justo, mas pediu dois litros de leite por dia, ela sempre gostou do alimento de manhã cedo. O fazendeiro aceitou o pedido e fechou o negócio.

Os filhos foram casando e a casa de Delminda tinha uma característica de recomeços. Muitos iniciaram a vida alí mesmo, alguns até criaram os filhos junto com ela por um bom tempo. As idas e vindas eram comuns. Ela não cansava de dizer que as portas sempre estariam abertas, na hora que precisassem. A generosidade estendia aos parentes próximos e por costume, contemplava andarilhos que pediam comida, algo corriqueiro naquele tempo.

A senhora ajudava na criação dos netos e bisnetos, morava perto da única escola de ensino fundamental da região, por isso, deu início a vida escolar de grande parte deles. Organizava a merenda com quitandas de casa, levava e buscava, protegendo do sol e da chuva.

 

A TEMPESTADE

 

Certa vez ela percebeu a armação da tempestade. De repente, com voz ofegante interrompeu a aula, colocou uma mão ao lado da outra e em sinal de prece rogou a única professora do colégio que liberasse os alunos, antes dos primeiros pingos de água. Delminda foi cercada pelos braços das crianças, alguns choravam, outros corriam na frente para atravessar a pinguela do córrego do Ritirim.

O sol desapareceu entremeio as nuvens escuras, um prelúdio do que estava por vir. Ela parou e gritou com a mãe erguida apontada para Deus, disse que não teria forças para levar as crianças, mas que Ele segurasse na sua mão direita e conduzisse a travessia. Assim aconteceu, as crianças atravessaram o rio, algum tempo adiante a pinguela rodou com todos os arbustos possíveis da mata ciliar.

A tromba de água estourou a represa que ficava na cabeceira da região, na parte alta que antecede as moradias. Agora, Delminda estava no meio do varjão e as águas cresciam em volta dela e das crianças, pedia para agarrar seus braços, pernas e pedaços do vestido, mesmo tendo pressa os passos foram lentos, até o romper da aventura de fé. Aquilo ficou na memória do povo!

O interessante é que ninguém percebeu o perigo da tempestade, não houve auxílio, só restou a viúva e as crianças, dentre eles alguns netos e bisnetos dela. Quando era agraciada sobre o feito, repelia qualquer glória para si, dizia que não foi ela, relatava com requintes de detalhes o momento da oração, quando para quem crer -  Deus havia segurado a sua mão direita.

A DEVOÇÃO

Nas paredes da casa simples o único enfeite era os santos de devoção, vários por sinal. Um altar particular frente a qualquer necessidade. As novenas, os votos, o acender de velas, as orações noturnas aconteciam com muita frequência. Até quando vivia um dia feliz rezava, num gesto de agradecimento. Os netos recebiam nomes no diminutivo: Ruscainha, Huguinho, Larinha, Leandrinho, Cassinho, Robertinha - até os filhos casados não perdiam os nomes carinhosos com o passar dos anos: Zezé, Enildinha, Nedino, Sirvo.

Viveu de tudo com a descendência: acolhia no início da vida de casados, dava pouso, comida e roupa lavada. Buscava a filha entregue às paixões na cidade. Assumiu todos os netos que nasceram antes do casamento, sem julgamentos. Ajudava as filhas no resguardo: impedia as infecções e lavava as roupas envoltas em sangue no tacho com água fervendo, movido pelo fogão de lenha construído no terreiro, na lateral esquerda da porta da cozinha.

Tinha filha que reclamava da lavagem das roupas, ela não importava em jogá-las novamente no tacho e repetir a lida. Recebeu palavras duras de genro, as ameaças não ficaram restritas às palavras amaldiçoadas. Os desejos de agressão física manifestavam-se, o dedo apontado na face, a voz revestida de ira com tapas na cara, como flechas amargas atingindo em cheio o coração da matriarca.

O que fazer? Conseguiria ficar longe da filha com crianças de colo? Quem assumiria os cuidados do resguardo? Então, ela usava a sabedoria divina que lhe é própria, com passos firmes, apressados, distanciava-se do agressor e rumava de volta para casa, mesmo com carros parados na porta, não pedia carona.

No outro dia, bem cedo, estava de volta, lavando roupas, fazendo a comida e limpando a casa. A atitude de Delminda provocava insatisfações em tataranetos, bisnetos, netos, filhos e filhas, noutros genros - era comum dizer que a submissão era sinal de burrice. Ela colocava um ponto final na discussão dizendo que o mal se paga com o bem.

A fartura nunca se apartou da mesa da viúva, mesmo tendo perdido o marido muito cedo e ter decidido não contrair novas núpcias, pretendentes não faltaram, mas era convicta em manter-se pura, mulher de um homem só. Até quanto podia teve porcos, galinhas e ovos no terreiro. Manteve frutíferos os pés de laranja, abacate, manga, mamão, jabuticaba. Além da hortaliça que produzia o ano inteiro. Se gabava por ter construído uma colmeia com Abelhas Jataí, que dava-lhe o mel fresco a tempo e a hora, bem escondido entre o montão de madeira.

Gostava de fazer quitandas no fogão de lenha e foram muitos bolos, biscoitos, brevidade, paçoca de amendoim e tantas outras incontáveis habilidades. Delminda tinha gosto por casa cheia, receber pessoas, mesmo não avisada. Era comum pegar a vazia de milho e cantar para atrair os frangos, um deles seria abatido, pois o galão com água quente já o esperava sobre o fogão em brasas. Aos apressados davam um ultimato, ninguém sairia dali antes da comida. Dispensava as visitas com a barriga cheia, era um sinal de fé, de devoção.

A PARTIDA DOS FILHOS

Os filhos e suas famílias foram ficando longe da casa dela. Não era mais possível matar o porco, escolher as melhores mantas de carne e ir deixando na casa de cada um, agora eles não estão mais 'pertinho'. A senhora precisava programar cada visita junto com o seu fiel escudeiro, o cachorro Granfino. Ninguém dava carona para ela, não por falta de carros na prole, talvez por ausência de sensibilidade.

As visitas nunca foram acompanhadas de mãos vazias. Ela trazia doces de mamão, goiaba e figos. Costumava não esquecer a sua especialidade - a famosa “queijada”, uma mistura de açúcar com queijo ralado que só ela tinha o ponto certo. Entrelaçava tudo sobre o corpo, colocava uma toalha de rosto sobre a cabeça e chamava o Granfino para a jornada, geralmente dava início ao trajeto as três da tarde, por causa da temperatura do sol.

Nos momentos de cansaço parava debaixo da árvore, descia as coisas e banava o rosto, trazendo um pouco de ar fresco à face. Quando chegava, chamava pelos netos e ia abrindo as latas de doce, orgulhosa dizia que trouxe aquilo para eles, só para eles.

Nessas visitas, ainda na estrada vivenciou muita poeira ao vento, eram os parentes que seguiam sem excitar em parar, não dirigiam uma palavra, não conseguiam ver necessidades. Certa vez a poeira atingiu ela e a Ruscainha, apressadamente conseguiu tampar o rosto da neta, até o aquietar da fumaça de terra. Soprou sobre o rosto da menina, disse que estava chegando em casa, não havia motivos para preocupações. Delminda era apta para cancelar conflitos, lançava-os no mar do esquecimento.

A DEFICIÊNCIA

A distância ficava cada vez maior, agora os netos mudaram da fazenda para a cidade, a idade para entrar nas universidades havia chegado. Por algum tempo, Delminda conseguiu fazer as visitas, ainda com os doces e as carnes de porco e de vaca. Definitivamente a cidade não era a casa dela. O barulho intenso de carros e pessoas indo e vindo e a frieza que não deixava iniciar uma boa conversa mineira provocavam solidão nela.

A mulher falante ia encolhendo-se, a sua voz ia sumindo na correria da cidade grande, Uberlândia era assustadora. A zona urbana escancarou a sua deficiência: não sabia ler e escrever. Portanto, perdia a autonomia de ir e vir. Não era igual na fazenda onde foi guiada pelo barulho do vento, as horas do sol na volta do dia, sabia quando faria frio, conhecia a época ideal para lançar a semente sobre a terra, acertava o início e o fim das chuvas e repelia a tempestade com orações silenciosas.  

Uma vez parou em frente há uma placa de rua e confessou suas limitações, disse ao neto que desejava saber o que estava escrito alí, não somente o endereço, mas os anúncios de publicidade, os letreiros das linhas de ônibus, os livros sobre a mesa, a Bíblia Sagrada.

Dentro de casa, pegava o livro sagrado e abria num lugar qualquer, pedia para ler o escrito e explicar o que Deus tinha para ela naquele dia. Na Missa tinha atenção redobrada durante o sermão do padre, depois ficava repetindo as palavras de forma autoral, como que saindo de si mesma o entendimento. Era corriqueiro chamar os netos para tomar assento, contava os dias que estava na cidade, sem nenhuma conversa se quer, não admitia a falta de prosa. Queria saber de tudo: da escola, dos namoros, da convivência diária, se na ausência dela ocorriam brigas.

Também, relembrava histórias e se emocionava ao contá-las, quando a lágrima aparecia no rosto a voz desaparecia junto. Depois retomava a conversa dizendo que se engasgou com a emoção. Os dias começavam a ficar enfadonhos e a saudade da fazenda era irresistível. Então decidia ir embora, voltar para a casa na roça.

A ENFERMIDADE

Reencontrar a 'casinha' no campo também era um banho de solidão. Limpava a casa e arrastava os móveis para si mesma. A comida era pouco compartilhada. As visitas surpresas acabaram. Os vizinhos foram mudando para a cidade e o Brasil deixava-se de ser rural para se tornar urbano, num êxodo irreversível.

A motivação ia perdendo fôlego. Desistia de fazer almoço e jantar somente para ela, o tempero foi exaurindo, as vezes esquecia o sal, o alho e a banha de porco, o forno em brasa não recebia por um bom tempo as quitandas da volta do dia. Manter a casa estava difícil, faltava agilidade. Lavar e passar as roupas retirando água da cisterna causava-lhe um cansaço que não fazia parte dos seus dias de outrora.

Era complicado lidar com o silêncio absoluto. Cuidar dos porcos, das galinhas, das plantações e da colmeia de abelhas Jataí não tinham o mesmo prazer. Admitir que teria que abandonar a casa, os móveis, as criações, o pomar e o enxame arrancaram lágrimas do rosto. Aos 77 anos perdeu definitivamente a sua casa.

Delminda Bárbara de Jesus foi morar na fazenda da filha mais velha, a Ney, deixou sua residência no córrego do Ritirim. Admitiu a idade, mas não aceitou desfazer de tudo, quis viver mais um tempo numa casa que dava para ir e voltar a pé da sede da fazenda. As marcas do tempo tornaram-se implacáveis. O dinheiro da aposentadoria era consumido pelos remédios. As horas gastas lavando roupas no rio, fazendo sabão no tacho e cozinhando trouxeram a constipação.

A infecção no rosto secou parte do nervo trigêmeo e os choques no osso da face se repetiam constantemente. Uma toalha de rosto sempre era vista sobre os ombros, quando a dor vinha, ela a assegurava sobre o rosto, ficava quieta até passar o ataque - lá se foram caixas e caixas de remédio, uma verdadeira peregrinação de médico em médico.

Ecumênica, pedia orações aos santos de devoção, ascendia velas e um novena emendava-se na outra. Passou por cirurgias espíritas à base de água destilada e roupa branca. Visitou e fez campanha em igrejas evangélicas, pedia para escrever o nome dela no caderno de pedidos dos ciclos de oração. Dizia que fé era fé em qualquer lugar. Sempre agradecia dizendo pra ficar com Deus e Nossa Senhora. Aceitou os terços do rosário, a água purificada e Jesus Cristo como senhor e salvador da sua vida para mais de quatro vezes.

A benção chegou! Ela viu a luz entrar sobre o rosto durante a noite, levantou de manhã e nunca mais sentiu os choques. Abandonou o uso dos remédios.

A FÉ

Essa provação passou mas veio uma outra que atingiu em cheio a fé de Delminda. O neto amado, a quem enfrentou a todos para protegê-lo, seja do padrasto violento da infância, seja das próprias intempéries da vida em que foi iludido pelo crime. Aquele a quem deu roupa, sapato, afeto e muito afeto, estava com um grupo de pessoas que praticava estelionatos, eles iam de cidade em cidade. A última notícia que chegou aos seus ouvidos é que haviam aportados em Feira de Santana, na Bahia.

O pavor de acontecer o pior, de nunca mais vê-lo, de não saber como estava vivendo -  fizeram a mulher de fé dobrar os joelhos. O clamor foi estratégico: coloque uma inquietação no coração dele, faça ele vir embora, mas não deixa faltar nada, pouso, roupa, comida e transporte. As orações aconteciam a noite e eram muito prolongadas. O jovem deparou com os clamores na consciência e viu um brecha na próxima ação criminosa e fugiu, o destino a saída da cidade, um posto de gasolina.

Ele começou a pedir caronas, a primeira o trouxe até o norte de Minas, a segunda até a capital do Estado, a terceira a Uberlândia, aí foi um pulo para chegar em Ituiutaba. Não faltou comida, roupas de frio e lugar para dormir. Quando colocou os pés na Avenida 36, a principal saída da capital do arroz, foi abordado pelo motorista do caminhão leiteiro que estava prestes a pegar a estrada para apanhar o leite na fazenda.

Delminda o viu de longe, as forças das pernas desapareceram junto com a voz, mas o neto amado veio ao encontro dela. Após um longo e forte abraço ela exigiu que jurasse que aquilo nunca mais aconteceria. Não aconteceu.

OS ÚLTIMOS DIAS

De repente o esposo da filha fazendeira, Sebastião Azarias morre num infarto fulminante, sem chances de planejamentos. Muitas mudanças rodearam Delminda, teve que realmente abandonar a casa e mudar para uma outra fazenda, há quinze minutos de Ituiutaba, junto com a filha mais velha. Alí viveu seus últimos dias. Comia muito pouco, preferia frutas e leite do que refeição pesada, dizia que absorveria mais vitaminas assim. 

A maior parte do tempo passava dormindo e os lapsos de memória a acompanhava quase todos os dias. Houve situações em que tocavam-lhe os pulsos, apalpava o coração, esse fraquinho continuava batendo. Naqueles dias, Delminda colocou uma ideia fixa na cabeça, queria saber onde Jesus morava. Certa vez, contou que havia sido transportada para uma porta enorme no céu, cravejada de pedras preciosas de todas as espécies, a passagem começou a se abrir e de dentro uma voz suave e profunda dizia que ali morava o Cristo. No seu entendimento, o dia de partir estava próximo, mas um desejo crescia no seu coração: queria ver toda a família pelo menos uma última vez.

Em 26 de fevereiro de 2005, a família se reuniu no entorno dela, apenas dois dos nove deixaram de vir. A fazenda ficou cheia de gente, de comida, de admiradores, de filhos, netos, bisnetos e tataranetos. A atmosfera era de despedida. A filha caçula, Enildinha, num ato de reverência lavou os pés da matriarca. Delminda citou nome por nome, filho por filho, mesmo os ausentes. A oração era a mesma, sem distinção, profetizava a entrega de cada um nas mãos de Deus. Pediu alívio aos sofrimentos, que houvesse intervenção divina para estancar a sangria. No final, disse em alto e bom som que estaria pronta para partir, se Deus a quisesse levar.

Daquele momento adiante, foram muitos os momentos de perda de lucidez. O coração batia fraco, a falta de peso era notável no rosto, nos braços, nas mãos e pernas, comprovada pela baixa ingestão de alimentos. Quando voltava à luz, dizia pra não se preocupar, pois estava pedindo a Deus uma boa hora.

Neste mesmo ano, no dia 13 de novembro, Delminda Bárbara de Jesus perde de vez a consciência, mesmo com os pulsos indicando fôlego de vida. Ela foi levada às pressas para o hospital São José em Ituiutaba, chegou com vida na unidade médica, porém com os olhos entreabertos. O prontuário médico registrou 21 horas quando ela deu entrada na Unidade de Atendimento Intensivo.

A noite parecia longa demais. A notícia espalhou rápido por entre os filhos e as lágrimas começavam a brotar na descendência. A memória insistia em relembrar os fatos da infância, os registros até aquele dia 13. Quando parecia que tudo acabaria bem com mais um dia que ameaçava surgir, por volta das 05 e 45 da manhã o coração de Delminda simplesmente desligou-se. Aos 88 anos de idade, a notícia do falecimento chegou para todos.

Trilha sonora

Delminda Bárbara de Jesus quando perguntada sobre sua música favorita, surgia dos seus lábios: "Gostei muito desta casa eu vou ficar por aqui. Avisa o pessoal lá em casa que hoje, eu não posso ir". Confira!

Delminda Bárbara de Jesus - 'Não há nada melhor do que a casa da gente, meu filho!'
| Fonte: DVD 'Não Desista' 

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