Reportagem
OS REFLEXOS DO CINEMA NA ESCOLA MULTICOR
'Infiltrado na Klan'; como o mais novo filme de Spike Lee pode ajudar na formação
de um ensino mais inclusivo
por Cássio Lima
'O racismo ocupa o centro nervoso das aflições históricas dos Estados Unidos e, invariavelmente, é sabatinado pela indústria da TV e do cinema' - Diário do Mundo
| FOTO: Divulgação
Que o cinema atinge multidões ao redor do mundo nós já sabemos, somos conscientes da sua capacidade transnacional. Ele inspira paixões e conforta desilusões, nas idas e vindas das narrativas filmadas. Mas também, gera rompimentos seja em maior ou menor grau, provocando algum tipo de reflexão social, na influência ou no deixar ser influenciado. Desta vez, vamos viajar na estreita relação entre a película e a educação brasileira. Como a formação escolar pode ser decisiva para o despertar da consciência. Para tanto, o filme Infiltrado na Klan, ele já passou pelos principais festivais da Europa e agora atracou em terras brasileiras, mas precisamente, na 42ª Mostra Internacional de Cinema, da capital paulista.
Quando o filme de Spike Lee estreou este ano no festival de Cannes, França, a recepção foi apoteótica e significou algo importante: o diretor está de volta. Embora, não tenha superado grandes bilheterias assinadas pelo cineasta, como 'O Plano Perfeito' (2006) – que só na estréia arrematou US$ 29 milhões. Porém, a nova película promete bons números, a propaganda boca a boca pode levar Lee de volta ao Oscar. 'Infiltrado na Klan' é antes de tudo atual, possui um olhar cirúrgico sobre os grupos de ódio norte-americanos. O cineasta evoca o ano de 1970, mas, no desfecho chega a 2017, com os eventos sangrentos de Charlottesville, que expõem a era Donald Trump. Mesmo a temática sendo local, o assunto causa urgência sobre o mundo, principalmente, pelo crescimento da intolerância política e social. Em tempos sombrios, os olhos precisam voltar para a educação, porém, como podemos instalar a tela grande na escola contemporânea?
'O cineasta Spike Lee é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes destaques do Festival de Cannes 2018. O aclamado diretor foi condecorado com o prêmio Grand Prix no evento, por seu exímio trabalho em 'Infiltrado Na Klan' - Cine Pop | FOTO: Divulgação
Cinema e Escola
A ex-ministra da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, participou neste mês de outubro do X Congresso Brasileiro de Pesquisadorxs Negrxs (Copene), realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Temos que desmistificar que não há preconceito racial nas escolas. Os avanços de combate ao racismo se dão nas tensões e não nos consensos. Primeiro temos que desconstruir a falsa cultura de que tudo está incluso”, defende Gomes durante a palestra 'O Movimento Negro reeduca a Educação Básica'. A educadora ressaltou ainda, a relevância de trazer a negritude ao ambiente de ensino com dança, raça, arte e dramaturgia. “A escola de hoje precisa se ver no negro! O cinema traz uma contribuição relevante a isso. O tema racismo deve ser exibido na sua integridade, sem cortes e censuras”, complementa.
Em Infiltrado na Klan o protagonista é negro! É 1978, Ron Stallworth, um policial do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, contudo, quando precisava estar fisicamente presente, enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Stallworth se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio, orquestrados pelos racistas. A câmera do diretor Spike Lee enfatiza a superação via negritude, a inteligência estratégica, a capacidade de infiltrar e desmantelar uma organização criminosa. Assim, desconstrói os estereótipos de membresia de raça inferior, submetendo-se à supremacia branca.
'Quando a escola não admite que é racista, ela está contribuindo para a reprodução do preconceito' - Nilma Lino Gomes | FOTO: divulgação
O historiador e pesquisador da cultura afro-brasileira, Jeremias brasileiro, também é negro! O educador já participou de vários projetos audiovisuais sobre a remontagem da trajetória da raça negra no país. “O cinema contribui na medida em que dá, ou possibilita visibilidade a atores e atrizes negrxs, principalmente, enquanto protagonistas de núcleos familiares definidos e de modo positivo, sem rótulos sociais”, afirma Brasileiro quando questionado sobre o lugar do negro no cinema. Segundo o educador, a melhor forma de fazer com que esse cinema chegue de fato às escolas é por meio de ações políticas institucionais, sem que haja apenas, o voluntarismo individual de alguns educadores. “Têm de fazer parte de uma ação transformadora de fato, e não, de discursos centrados em uma "Semana da Consciência Negra" do mês de novembro”, acrescenta.
O filme de Spike Lee provoca em tempos de intolerância! Pelo menos obriga que a narrativa entre em exibição novamente. O radicalismo tem suas raízes na cultura, contudo, a escola é a representação do que está lá fora. Não obstante, é possível construir uma sociedade inclusiva, ou reforçar o preconceito. 'Infiltrado na Klan' inverte o jogo e lança dúvidas sobre a supremacia de uma raça sobre outra, mostra que a capacidade de vencer a cultura preconceituosa não só depende da reação do lado oprimido, mas, de coragem e superação - algo continuado e sem rupturas no combate. A película de Lee diz ainda que entre sociedade e cinema pode haver bons ou maus reflexos, tudo está conectado ao histórico de formação democrática dos olhares de quem pratica e vê.
'A temática da consciência negra não pode ser restringida as datas específicas do calendário escolar, pois assim, transforma-se em evento' - Jeremias Brasileiro
FOTO: divulgação
Ficha Técnica
- Infiltrado na Klan
Data de lançamento: 9 de agosto de 2018 (Austrália)
Direção: Spike Lee
Bilheteria: 84,6 milhões USD
Música composta por: Terence Blanchard
Indicações: Palma de Ouro, Festival de Cannes, França.
