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Revista NÓS da Arte
EU VIVO DE ARTESANATO
Como os artesãos sobrevivem num mercado cada vez mais competitivo e
com pouco espaço de comercialização
por Cássio Lima
A Feira da Gente na Praça Sérgio Pacheco existe há mais de 17 anos, sempre aos domingos. Atualmente, ela conta com 50 expositores, sendo que 20 trabalham com o Artesanato. Os artigos variam entre bijuterias, bonecas, almofadas e sandálias de couro. A matéria prima passa pelo biscuit, couro, cabaça, sintético e cerâmica. A maioria tem outras atividades, apenas quatro expositores conseguem viver de Artesanato, eles ampliaram o acesso aos produtos por outras cidades e estados, alguns comercializam as peças pelo litoral do Espírito Santo. A média de permanência na praça vai de cinco a sete anos e corresponde a 40% dos artesãos. A realidade parece dura, mas é o amor pela arte que os fazem resistir e manter uma regularidade de produção, contribuindo para a existência da Feira da Gente até hoje.

A Feira da Gente começa às nove da manhã e encerra às cinco da tarde, sempre aos domingos | Foto: Arquivo Feira da Gente
O Artesanato é uma atividade econômica que vive de ciclos e depende de uma cadeia produtiva que oscila constantemente, isso começa no fornecedor e vai até aos incentivos públicos de maior visibilidade para a comercialização dos objetos. “Quem vende Artesanato vende um pouco do seu coração. Em Uberlândia não existe a cultura pelo objeto de arte. O cliente compara preço e as lojas de variedades têm valores menores. Além do tempo do artesão ser outro, ele depende de uma cultura de valorização da produção artesanal”, explica o artesão Sérgio Zampieri, atual presidente da Associação dos Artesãos de Uberlândia, entidade responsável pela Feira da Gente. Os artesãos pagam uma mensalidade de 45 reais mensais, para um fluxo de 700 pessoas por edição, o que mais sai nas vendas são os produtos oriundos do Artesanato. O local é estratégico: no Centro da cidade e com várias opções de deslocamentos, devido à proximidade com o Terminal Central de ônibus.

Rená Carvalho produz sob encomenda, atendendo lojas e clientes, além de expor os artigos na Feira da Gente | Foto: Cássio Lima
Persistência, aliada ao amor e criatividade em criar bolsas de couro e/ou sintético, além das bijuterias - tudo isso move Rená Carvalho, que está há 16 anos na Feira da Gente. O ateliê fica num cômodo improvisado, no fundo de casa, e para desenvolver as peças de vez em quando recebe a ajuda da filha mais velha. Carvalho procura ter muita matéria prima no estoque, pois não sabe a hora que a inspiração vem. Há tanto tempo vivendo de Artesanato sabe que preço e qualidade andam juntos, por isso costuma produzir em boa quantidade artigos baratos e outros com maior sofisticação. A decisão de gastar mais ou menos pelos produtos, fica por conta dos clientes. “Geralmente eu compro no atacado para conseguir chegar em um preço que facilite as vendas. Em Uberlândia se gasta pouco com artesanato e falta divulgação. Continuar é uma relação de amor, eu não consigo parar de criar, eu amo fazer isso”, conta.

Sérgio Zampieri reinvidica a praça Sérgio Pacheco como local permanente da Feira da Gente, hoje, eles podem ser removidos do espaço | Foto: Cássio Lima
O artesão é primeiramente um artista, para depois se tornar ou não um vendedor de mercadorias. Ele compra objetos para montar a sua obra de arte e a matéria prima as vezes é desprezada, mas o trabalho do artesão transforma o material abandonado em objeto artístico. Todavia, a peça pronta precisa de divulgação para que a admiração e o desejo de compra se concretizem na venda, num ciclo sem interrupção. “O incentivo do poder público contribui para o despertar da sensibilidade artística dos clientes. Outra frente, é encontrar o consumidor no lugar certo e na hora certa. Ao contrário, você não valoriza, olha e não consegue ver, não gera interesse”, afirma Zampieri.

Simone Dias Evangelista tem preferência por produtos que tenham qualidade e expressa a cultura brasileira | Foto: Cássio Lima
O professor Emerson Borges passa pela Feira da Gente pelo menos duas vezes ao mês, ele costuma comprar artigos para ajudar na decoração de casa: “Aqui tem de tudo um pouco! Em tempos de crise é uma forma de ajudar esta classe tão importante, os artesãos”. A psicóloga Simone Dias Evangelista tem um gosto especial pelo Artesanato, prestes a viajar para a Inglaterra ela foi até a Feira comprar brincos para dar de presente à sobrinha, que mora em Londres . “Eu quero levar um pouco de Brasil na bagagem, é uma forma de matar a saudade do país lá fora”. A cabeleireira Bárbara Alves procura a originalidade das peças, que expressa a criatividade dos artesãos: “Eu gosto de escrafunchar, fico procurando até achar algo interessante, eu sempre levo alguma coisinha para casa”.

Claudia Costa busca matéria prima de baixo custo e com boa qualidade, para não gerar dívidas neste início de negócio; ela conta com a ajuda do sobrinho Lucas Costa | Foto: Cássio Lima
Claudia Costa chegou a pouco tempo na Feira da Gente, tem menos de dois meses. Tudo começou como um hobby quando customizava caixas de MDF e dava de presente aos amigos e parentes. Depois de ver alguns cursos pela internet e entrar numa escola de Artesanato, Costa resolveu dar um sentido mais comercial aos momentos de terapia. “A Feira da Gente funciona como uma vitrine, dando acesso ao produto, aqui você pode tocar nele, isso é mais eficiente do que a minha página no Facebook. O bichinho do Artesanato chama amor, é ele que impulsiona você a criar e expor os produtos. As vezes as pessoas nem compram, mas elogiam o trabalho da gente, falam que está bonito”.

Fabiana Queiroz aposta na profissionalização dos artesãos, para impulsionar as vendas no Artesanato | Foto: Correio de Uberlândia
A produção artística voltada para o mercado ocorre quando a peça não é mais fabricada apenas pelo olhar do artesão, essa mudança na lógica de desenvolver o Artesanato é apontada por especialistas com uma das maiores dificuldades do setor. “O maior conflito é transformar o dom que produz a obra de arte em empreendedorismo. Eu preciso saber o que o cliente quer! Esse comportamento ainda não é maioria entre os artesãos. A viabilidade do meu negócio tem que ser o mercado, o cliente. Que dor de mercado eu vou sanar? Enfim, eu preciso satisfazer uma necessidade”, explica Fabiana Queiroz, analista do Sebrae Minas, em Uberlândia. Os principais desafios dos artesãos não passam pelo fornecedor, porque a produção não é em série. Porém, manter a exposição de forma regular no local de comercialização é o mais difícil. Queiroz aposta na originalidade e conveniência para que a venda seja efetivada. “A produção de uma peça única atrai o cliente, pois o Artesanato passa a ideia de exclusividade, o preço justo começa a surgir daí. Mas a logística precisa funcionar bem, num formato de conveniência, de atender o cliente a tempo e a hora, saindo da condição de apenas admirar o objeto, sem levá-lo para casa”.
Os artesãos precisam ir além da comercialização de produtos na Feira e ampliar a visibilidade. Porém, grande parte deles não possui recursos financeiros suficientes para uma divulgação eficaz na mídia, e não são assistidos pelo poder público no aumento dessa publicidade. Portanto, viver de Artesanato é um gesto de amor, mas sem dúvida de resistência.

“Os Xonados” com o estilo “sertanejo raiz” na Feira da Gente; atrações musicais procuram atrair novos clientes | Foto: Cássio Lima
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